A esmagadora maioria dos jovens portugueses tem telemóvel e começa a usá-lo cada vez mais cedo. Os benefícios podem ser fascinantes mas os perigos não devem ser esquecidos. Também aqui só a educação pode minimizar os riscos.
“A futura geração precisaria de uma anatomia diferente. Pelo menos duas bocas e quatro ouvidos, por cada indivíduo, para otimizar as comunicações móveis (e quatro polegares, acrescentamos nós). Apesar desta mutação genética não ser possível, por enquanto, as operadoras de telemóveis não devem desesperar. Há quotas de mercado por preencher. Dois terços das crianças do primeiro ciclo aguardam ansiosamente. Trinta por cento das de dez anos vegetam na pré-história das comunicações. A multidão dos berçários e infantários também. E, nas maternidades, os recém-nascidos ainda não conseguem comunicar por telemóvel!” O professor e escritor José Alberto Quaresma ironiza, assim, no seu blogue de educação Falta de castigo, o número excessivo de crianças que já possui telemóvel. E os dados dão-lhe razão. Segundo o estudo Fórum da Criança 2009, 12% das crianças dos quatro aos seis anos já tem telemóvel. A percentagem sobe para os 55% entre os sete e os dez anos e atinge os 89% nas crianças de onze e doze. Helena Fonseca, coordenadora do Núcleo de Medicina de Adolescentes do Hospital de Santa Maria, confirma: “Atualmente, no primeiro ciclo, já encontramos imensas crianças com telemóvel, o que é impressionante! Cada família deve definir bem qual é a idade em que pretende dar um telemóvel ao seu filho, independentemente das pressões que existam por parte da criança. A maioria das vezes a utilidade do telemóvel é nula”. E aconselha: “Admito que possa haver situações pontuais, como doença ou razões geográficas, que o justificam, mas são exceções. Na minha opinião, as crianças não devem ter telemóvel antes dos 12 anos”.
De brinquedo a parte do corpo
Muitas vezes são os próprios pais que tomam a iniciativa de oferecer um telemóvel aos mais pequenos. Razões de segurança são as mais evocadas. “O telemóvel entrou tão rapidamente na vida das crianças porque os pais entenderam-no como uma forma de controlo dos filhos à distância. A possibilidade de monitorizar a criança faz com que os pais, que são tão resistentes a outras tecnologias, aqui facilitem”, explica Cristina Ponte, investigadora da Universidade Nova de Lisboa e coordenadora em Portugal do projeto EU Kids Online. Uma espécie de trela eletrónica que, muitas vezes, é oferecida sem a definição de regras básicas de utilização.
Se nos primeiros tempos, as crianças mais novas encaram o telemóvel como mais um brinquedo, usado essencialmente para jogar e receber chamadas da família, com a idade o seu uso intensifica-se exponencialmente. Na adolescência, o telemóvel chega mesmo a ser visto como uma parte do corpo, uma expressão da sua identidade, sem o qual já não imaginam viver. Segundo o estudo “E- Generation: os usos dos media pelas crianças e jovens em Portugal", publicado em 2007 pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE, 57% dos jovens concordavam com a frase “sinto-me muito ansioso quando não posso ter o meu telemóvel” e 74,3% consideravam que o telemóvel só lhes é útil se estiver sempre ligado. Aliás, apenas 18,6% declarou que desligava o telemóvel quando estão a estudar, 11,4% durante as refeições e 60% não desligava nem na sala de aula. O uso excessivo pode chegar a níveis de verdadeira dependência. Notícias de tratamento de crianças viciadas a partir dos 12 anos, que têm de reaprender a realizar as suas tarefas sem um telemóvel por perto, dão que pensar. A pediatra Helena Fonseca alerta: “Há miúdos que não conseguem parar de utilizar o telemóvel. Alguns entram no consultório a jogar e continuam durante o tempo todo da consulta. O curioso é que, muitas vezes, se não somos nós a pedir para desligar, os pais acham perfeitamente normal e deixam que a criança nos esteja a responder e a usar o telemóvel ao mesmo tempo!”
Regras essenciais
Margarida Geada é mãe de dois adolescentes de 16 anos. Ofereceu-lhes o primeiro telemóvel aos 12, quando começaram a ir sozinhos para a escola. “Achei que era importante para o caso de eles precisarem de falar comigo. Naqueles primeiros anos, ficava sempre preocupada e assim, ao chegarem à escola, telefonavam-me e confirmava que eles estavam bem. Juntou-se o interesse deles ao meu. Na altura, eles eram os únicos da turma que ainda não tinham telemóvel!” Impôs desde logo algumas regras: “Sou eu que carrego, mas o dinheiro é sempre da mesada deles. Têm que desligar à noite para dormir, quando estão a estudar e durante as refeições, claro. Não sou a favor de proibições irracionais, pois quanto mais limitamos mais eles desejam e mais fazem às escondidas. Estas idades não são fáceis, por isso acho que se deve proibir apenas o essencial”. Helena Fonseca concorda: “Com o avançar da idade da criança, as regras podem e devem ir sendo alteradas. Mas há coisas com as quais os pais nunca devem pactuar, independentemente da idade. Durante o tempo de estudo, às refeições e quando estão a dormir não se está com o telemóvel ligado”.