Os especialistas em crianças têm demonstrado uma grande preocupação em ensinar os pais e educadores a lidarem com a informação dos atentados de Paris e do terrorismo em geral. De seguida apresentamos uma reportagem da RTP, do programa A Praça, no dia 18 de novembro, com a Psicóloga Magda Gomes Dias.
Deveremos falar com os nossos filhos acerca dos
atentados de Paris? A partir de que idade as crianças estarão prontas para
escutarem falar sobre estes assuntos?
Uma criança de 3 anos já tem noção do que se passa à volta dela, do que os
adultos falam e do que ouve, seja na TV ou na rádio. Não temos por isso nenhum interesse em não explicar o
que aconteceu. Porquê? Porque é importante que a criança, sobretudo
se houver algum tipo de ligação - há muitas famílias que têm familiares em
França e que estão por isso ainda mais preocupadas - saiba o motivo da
ansiedade dos pais ou da sua tristeza e consternação.
Quando a criança apreende a realidade através das palavras dos pais, então não
irá ela, sozinha, construir a sua realidade, com base em fantasias ou
sustentada no medo.
Mas eu não tenho nenhuma ligação a França e os meus filhos não vêem os
noticiários.
Respondo-te com um comentário que uma mãe deixou hoje no Facebook.
"A minha não se apercebeu de nada no fim‑de‑semana e na 2a feira veio
da escola a falar disso... Achei que não tinha de dizer nada e afinal...
enganei-me! "
Pois é, eles percebem tudo, como disse acima...
E se eles não tocarem no assunto... Bom, convido-te a ler este artigo:
A filha mais velha do assessor de comunicação André Serpa Soares fez aquilo
a que os psicólogos chamam evitamento. Naquela noite, saiu da cama dela,
enfiou-se na cama dos pais e pediu-lhes que a deixassem dormir lá, de luz
acesa. Não se pôs a fazer perguntas sobre os atentados. Não quis conversa. Quis
apenas ficar ali, em silêncio. O pai abraçou-a toda a noite e foi-lhe dizendo:
"não te preocupes”; “estamos em casa”; “estamos em segurança”, estamos
juntos”; “isso não vai acontecer aqui”, “eu protejo-te sempre".
Se eles não falam, fala tu. Não é porque não falas que
isso não vai acontecer. Antes fosse. Não é porque falas que vais estar a
destruir a vida dos teus filhos.
Como sabem falámos sobre este assunto com a nossa filha
cá em casa. Falamos no Sábado e novamente no Domingo. Falaram na escola na segunda. Ela
tinha tudo arrumado na cabeça. Falamos, explicamos, respondemos às questões
todas. Com respeito por ela e pela seriedade da situação. No final, ela
pediu-me que me chegasse a ela e disse: preciso de um abraço, tenho um
bocadinho de medo.
E eu dei o abraço, sorri e aceitei sem dizer nada.
Ela sossegou e dali a pouco estava a brincar com o irmão.
Gostava que fosse sempre fácil protegê-los como nos filmes. Mas a vida real é outra coisa.
Mas devemos explicar tudo? O que dizer? O que não dizer?
Devemos explicar qb, sem entrar nos detalhes mórbidos que ninguém precisa. De
resto deveremos ser factuais e claros. Se a criança nos abordar, deveremos
pegar logo nessa deixa e perguntar-lhe o que é que ela já sabe, o que ouviu e
onde ouviu. E pode ser que ela saiba e diga ou espere que falemos. Seja nessa
circunstância ou na circunstância em que nós vamos falar, deveremos sempre
começar pelas perguntas:
Sabes o que aconteceu na passada sexta-feira, em Paris?
Na sexta-feira, em Paris - e podemos mostrar um mapa até, se quisermos -
aconteceu uma coisa trágica. Alguns homens armados mataram outras pessoas que
estavam a jantar e a divertirem-se.
Ponto.
E depois explicar o porquê, até porque é a pergunta que a criança vai colocar.
E então vamos ao porquê.
Porquê, mãe?
Porque desde sempre existiram formas de pensar diferentes e tu sabes disso. Só
que há pessoas que não suportam que outros pensem diferente deles - acham que
toda a gente tem de pensar, gostar de tudo igual. E como não suportam essa
ideia, então decidem matar os que eles acham que estão contra eles - e foi isso
que aconteceu.
Depois devemos esperar pelas perguntas. Podemos ter questões como quem são
essas pessoas - os terroristas - se nos vamos cruzar com elas, enfim… e
deveremos responder a todas as questões sem medo.
Mãe, e isso vai acontecer aqui, no nosso país?
Bom filho, eu penso que não, é pouco provável. Sabemos
que o mundo inteiro, e sobretudo a polícia, está a procurar ajudar a acabar com
esta situação.
Mãe, quem são essas pessoas?
São terroristas. É difícil saber quem são porque elas
vestem-se iguais a nós. Não sabemos quem são mas isso não nos impede de
viver e fazer a nossa vida.
É importante passarmos uma mensagem de esperança?
É fundamental que essa mensagem seja passada! É fundamental que se diga que
muitas pessoas foram salvas por médicos, por polícias e por outras pessoas na
rua. E é fundamental que se diga que todos devemos lembrar-nos de sermos
tolerantes uns com os outros, e que a liberdade é algo precioso. Podemos
explicar como era antes quando não havia tanta liberdade, falar dos valores
fundamentais - é uma excelente oportunidade.
Voltar às rotinas, voltar à vida e fazer tudo por a
viver.
E se a criança ficar com medo? E se ela ficar tensa, o que fazer?
Eu fiquei tensa, com medo. E penso que todos ficámos. É normal que ela se sinta
assim. Então está na altura de lhe colocar questões. ‘Estás com medo que isso
aconteça aqui? Bom, é pouco provável e tenho a certeza que todas as pessoas
estão a fazer tudo para nos protegerem.’ Darem abraços, confirmarem que também
ficaram com receio… e que por isso é importante falar sobre o assunto.
Ouvi no outro dia que se os pais mostram medo, a
criança perde a confiança neles. Achei que era um disparate. Os pais sentem
medo, naturalmente, Mas é justamente quando falam sobre este assunto que se
sentem com forças, sobretudo quando falam aos filhos sobre ele porque depois de
o fazerem sentem que terão, mais do que nunca, de continuarem a vida,
valorizando o que de mais importante temos: a liberdade e a importância de
sermos família, construindo dia-após-dia.
E se a criança quiser saber mais ou tiver visto imagens que não devesse ter
visto ou ouvido coisas que não deveria ter ouvido?
Mais do que nunca, é necessário que se fale sobre este assunto - que expliquem
o que viram, o que sentiram e que esses vídeos ou imagens são de tal forma
chocantes que não querem que os voltem a ver porque não trará nada de benéfico
para a situação.