quinta-feira, 2 de julho de 2015

Explicar a morte às crianças

               
Não é uma tarefa fácil falar da morte aos mais novos, sobretudo a de alguém próximo, como a mãe ou o pai. Mas isso não é motivo para os excluir do desgosto, do choro e das explicações. Porque as crianças também precisam de fazer o luto, tal como os adultos.

O direito à tristeza, não enunciado diretamente nos Direitos Humanos, é o que mais se lembra num processo de luto. No trabalho de luto importa ensinar a contactar com a dor e a reorganizá-la. O sofrimento e a dor não se resumem à nossa capacidade para compreender totalmente, mas sim à nossa capacidade para sentir.

Se assim é, quantos mitos orientam a nossa ação, perante uma situação de perda?

Mito 1 – Eles nem se apercebem bem do que está a acontecer…
Seria tentador acreditar que podemos proteger os mais novos do sofrimento, acreditar que não percebem que alguém está mais triste ou que alguém está doente. Em qualquer idade existe a noção do desaparecimento de alguém querido, mas esta noção varia ao longo das diferentes etapas do desenvolvimento. Até aos 2 anos, a criança não tem capacidade cognitiva para entender o conceito de morte ou separação. Porém, pode procurar repetidamente a pessoa que morreu e apresentar medos e alterações comportamentais (no sono, na alimentação, etc.). Dos 2 aos 5 anos, existe um medo mais consciente de ser abandonada ou separada das figuras de vinculação principais, o que pode manifestar-se através de comportamentos agressivos e alterações emocionais (como isolamento, agressividade, etc.). Nesta etapa, a morte é vista como reversível. Só a partir dos 5 ou 6 anos é que a criança começa a compreender o significado da morte, embora não da mesma forma que o adulto. Vê-a como algo irreversível, permanente, mas não como universal a todos os seres humanos (aos pais, aos irmãos, ou a elas mesmas). Não há que esconder, fingir ou evitar.

Mito 2 – Velórios e enterros devem ser vedados às crianças
De modo algum! Se as crianças desejam participar em velórios e enterros, devem participar. Após serem informadas da morte, deverão ser questionadas se querem ou não assistir aos rituais de despedida, mas não sem antes lhes ser explicado o que vão presenciar. Se durante o ritual elas quiserem ausentar-se, isso deve ser-lhes permitido. As despedidas são muito importantes num processo de luto e, independentemente da idade, cada um de nós deve encontrar a sua forma de as fazer.

Mito 3 – Não fiques triste
Porque é que é importante sentirmo-nos bem em momentos felizes e não podemos sentir mágoa e tristeza nos momentos de perda? A criança apresenta uma emoção a quem acredita e confia, a quem pode ser o guardião do que sente e a emoção não poderá ser imediatamente desvalorizada “não fiques triste” e anestesiada com outros pensamentos (“vamos pensar no que vamos fazer no parque”). É uma frase doce, mas perigosa porque sem a tristeza a alegria também não existe.

Mito 4 – Sofre sozinho e não faças barulho
É comum, mas não “natural”, sofrer o luto de forma isolada ainda que esta seja uma tendência da maioria. Procurar aconchego será um gesto mais natural, na necessidade afetiva (como a criança que grita e chora procurando o adulto) e menos pensado. Os momentos a sós não são negativos, podem ser reparadores e organizadores, mas a forma como sofremos – em família, como adultos e como conjunto – modela o que é suposto fazer-se com o que se sente.
A melhor forma de ajudar uma criança durante o processo de luto é saber falar com ela sobre a perda e o ocorrido. É estar atentos às suas reações, às mudanças no seu comportamento, atendendo aos aspetos específicos da sua personalidade, e dar oportunidade de, caso queira, participar nos rituais de despedida e decisões a tomar no futuro próximo. É perceber que, independentemente das reações imediatas, é importante criar espaços para falar e exprimir emoções, passe o tempo que passar.

Mito 4 – Tens de ser forte
“Força, coragem…”. O adulto pensa que tem de ser forte pelo filho (por ex.: que pode ter perdido um progenitor) e o filho pensa que tem de ser forte pela mãe, porque também a vê ser forte. Talvez a verdadeira “força” esteja na demonstração das emoções, vivendo-as, esteja em saber fazer e comunicar o que é emocionalmente adequado ao momento. Esta traz os resultados “fortes” do adulto que ensina a criança a expressar-se. Tudo o que se quer é não ser forte, quando forte significa fazer de conta. E fazer de conta significa fechar a sete chaves o que se sente, bloqueando a tristeza ou a raiva em dores de cabeça, em birras ou em explicações racionais.

 Mito 5 – “O papá foi dormir e nunca mais vai acordar”, “Deus quis levar a mamã para junto d’Ele”; “O teu irmão foi-se embora e não vai voltar”
Estas expressões não têm nada de positivo. Dizer “o papá foi dormir e nunca mais vai acordar” gera uma relação morte-sono que poderá ser assustadora e trazer medos da noite, do escuro, de dormir, etc. Por sua vez, a frase “foi fazer uma viagem longa” (quem viaja regressa) pode gerar inseguranças em relação a viagens, deslocações e ausências. Dizer que “Deus levou a mãe para junto de si” também pode gerar confusões na criança e até mesmo revolta contra Deus. Afinal se Deus é bom porque faria isso? Dizer que um irmão ou familiar foi embora e não vai voltar também pode causar fortes sentimentos de abandono. Dizer que a “mãe é uma estrela que está no céu” e que vem visitá-la todas as noites faz com que, muitas vezes, principalmente no inverno, quando deixa de se ver estrelas, a criança se sinta abandonada e esquecida porque a estrela/mãe não a veio visitar. É importante não esquecer que, em determinadas idades, as crianças fazem uma interpretação literal da linguagem.  
 
Mito 6 – O tempo cura tudo…
Dividimo-nos entre a ideia de uma reconciliação imediata, porque a sociedade tem pressa, e a ideia de que tudo acontecerá a seu tempo. Se combinarmos a ideia de “que temos de nos manter ocupados” com a ideia de que o tempo cura tudo, fica a ideia de que quanto mais nos ocuparmos, mais tempo vai passando (mais rápido) e por isso, a dada altura, estaremos “melhor”, “já passou tanto tempo!”… mas o tempo dos rituais fúnebres, do regresso à rotina e aos deveres a cumprir não é o tempo da despedida nem da pacificação.

Mito 7 – Aproveitar todas as oportunidades para falar da morte: quando passamos ao lado de um cemitério ou quando um animal de estimação morre…
Devemos sim estar atentos ao que a criança verbaliza e como se comporta perante estas situações. Ela própria encontrará formas de nos mostrar se é ou não relevante falar sobre o assunto no momento. Estes estímulos e outros no dia a dia, como livros infantis, filmes, conversas com amiguinhos, que abordam o tema, são também óptimas oportunidades para criar condições para que, num ambiente tranquilo e confortável, adultos e crianças possam falar sobre a morte.

Parece que os mitos são formas de evitar este assunto. Constroem defesas e muralhas, necessárias para tolerar a imensidão do sofrimento. Mas há que abrir portas, para “não ter de se viver assim… e pronto, aceitar”.
A forma que cada família encontra, para se ajustar à dor, será sempre a sua melhor forma. A perda traz dor, é real e universal. O medo (que podemos ter) não chega para a evitar.

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